by Fabricio Vieira – FreeForm, FreeJazz
CRÍTICAs Novo álbum da pianista Kris Davis mostra seu quinteto Diatom Ribbons em apresentação memorável no mítico clube nova-iorquino…
O núcleo do Diatom Ribbons traz ao lado de Kris Davis a baterista Terri Lyne Carrington, Val Jeanty (turntables e eletrônicos) e Trevor Dunn (baixo elétrico e acústico). Se o primeiro registro do grupo contou com a participação de Esperanza Spalding, Tony Malaby e Ches Smith, desta vez quem entra para somar é o guitarrista Julian Lage. Esse quinteto subiu ao palco do lendário Village Vanguard para uma temporada em maio de 2022. É dessas apresentações, realizadas nos dias 27 e 28, que vem esse novo álbum. Diatom Ribbons – Live At The Village Vanguard é um disco duplo no qual Davis apresenta a amplitude de suas influências e interesses. Formada em música clássica, ela tentou primeiramente adentrar a cena jazzística mais tradicional, mas acabou mesmo se encontrando no universo do free impro. E toda essa sua trajetória vai ecoar aqui. “My influences are wide-ranging”, diz Davis no release de apresentação do álbum. “And I’m always trying to digest them and filter them through my own language and concept. With this music I wanted to be more overt about some of the influences that have shaped me and that continue to shape me.” O disco duplo tem 11 faixas, entre composições de Davis, muita improvisação e particulares releituras de Wayne Shorter (“Dolores”), Ronald Shannon Jackson (“Alice In The Congo”) e Geri Allen (“The Dancer”). Há também uma peça, “Nine Hats”, que faz referências a Eric Dolphy (“Hat and Beard”) e Conlon Nancarrow (“Study No. 9 for Piano Player”); esta faixa é altamente climática, com estranhas combinações de camadas eletrônicas entrecortadas por intervenções pontuais da guitarra e das ondulações percussivas. As explorações seguem, com os ouvintes desavisados sendo surpreendidos com outros ecos de outros tempos: samplers de vozes entrecortarão o espaço em “VW” (com Sun Ra sendo convocado), “Bird Call Blues” (com Paul Bley e Olivier Messiaen!) e, a que mais pega: Karlheinz Stockhausen, em fala sobre sua Intuitive Music, vindo lá de 1972, na faixa “Parasitic Hunter”, possivelmente a melhor peça do registro.
Todo esse caldeirão soa perfeitamente coeso e bem alinhado, em uma música de grande inventividade que, se parte de um quarteto jazzístico tradicional (piano, baixo, guitarra e bateria), amplia os horizontes com DJ e a própria Davis indo além, ao trazer para o palco também piano preparado e um sintetizador Arturia Microfreak. Uma combinação inusitada de sonoridades, que abre em muito a música criada e apresentada a horizontes muito estimulantes e artisticamente renovadores. Diatom Ribbons – Live At The Village Vanguard se revela uma longa viagem pelo mundo imaginativo-sonoro de Davis, à qual ela nos convida e conduz com precisão e encanto, indo de momentos em que sua voz de pianista de jazz fica mais proeminente a outros em que sua face de experimentadora e exploradora sonora se revela em toda sua potência. O álbum, forte candidato a listas de melhores do ano, será editado em 1º de setembro pelo Pyroclastic Records, em CD duplo e digital.
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)